terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Uma Estranha Visão Sobre um Estranho no Ninho






(SPOILER Alert)

Incisivo direto e crítico como uma lobotomia, Um Estranho no Ninho retrata uma realidade completamente desconhecida e estranha, para nós, os manicômios, local esse onde são despejados e excluídos aqueles considerados loucos, Esses que assim como criminosos são encaminhados a um lugar capaz de prover uma melhora em seu estado e sua ressocialização, será mesmo que o manicômios tem como objetivo ressocializar os casos considerados tratáveis ou apenas excluir aqueles que atrapalham o progresso da sociedade, apresentando comportamentos inadequados? De que serve o manicômio, senão como uma forma da sociedade civil, resolver seus problemas em relação aos considerados loucos, sem ter de resolver a confusão mental deles? O que vejo são práticas que não só comprometem a saúde mental de pessoas recuperáveis, como também não ajudam no bem-estar emocional daqueles que não tem como serem inseridos na sociedade. O problema começa quando o louco não é visto como indivíduo, e sim como parte homogênea de um grupo completamente igual, a partir daí ele vai ser obrigado a se adequar a uma realidade angustiante que não o considera como indivíduo, forçando-o a se submeter a pessoas “superiores” capazes de o “entender” que irão regular sua vida, é exatamente a incapacidade de ver subjetividade no louco que torna casos recuperáveis em casos irrecuperáveis, pois se o indivíduo capaz de se recuperar é tido como parte homogênea de um todo, logo ele esta fadado a praticas que o manterão preso a este grupo eternamente, no caso dos casos irrecuperáveis ao contrario da instituição auxiliar o indivíduo a se realizar sem causar problemas maiores, impõe a ele rotinas que não visam auxiliá-lo na concretização sadia de sua natureza e sim na negação da mesma, muitas vezes os dopando através de remédios. Ressalto que não sou um especialista em manicômios, nem sei o suficiente sobre eles, mas certeza não me falta que esses lugares muitas vezes não tratam seus internos de forma adequada, principalmente em países sub-desenvolvidos.

Um Estranho no Ninho pode ser entendido como uma crítica de como as instituições vão na contramão dos interesses pessoais, negando às pessoas o direito de decidir como suas vidas devem fluir e de decidir democraticamente os rumos que a sociedade irá tomar, através do uso da força, representada nos seguranças da instituição, justificada através da mente representada na enfermeira Ratched, os postulados teóricos que afirmam a dominação das pulsões pessoais; já McMurphy(Jack Nicholson) seria a vontade reprimida de rebelião contida nos loucos, ele é o espelho que reflete toda a ira contida na sociedade que diariamente tem seus direitos negados, que diariamente tem “seus cigarros” negados como na cena onde a enfermeira Ratched, apenas para afirmar sua superioridade e autoridade perante a massa, tortura psicologicamente Cheswick, o proibindo de tomar posse de sua propriedade, assim ele tem sua autonomia individualidade e individualidade negada, o direito de ser “louco” negado, negação de individualidade esta que esta presente em toda trama e fica óbvia no uso de uniformes, todos naquele recinto usam “batas hospitalares”, o indivíduo só pode ir até onde forem os interesses das instituições, que na prática não refletem o todo da população, assim a sociedade logo se vê impotente diante da força repressiva do estado e desiste da luta se submetendo a opressão, a considerando inclusive como algo necessário, como os loucos daquela instituição que falam a McMurphy que estão lá por vontade própria, McMurphy fica sem entender o motivo, os loucos ou o povo que para não se sentir fraco e esconder sua impotência passa para o lado do forte, aquele que faz valer sua vontade, porém isto nada mais é do que a impotência levada a um nível de angústia absurdo, capaz de fazer o indivíduo negar a si mesmo e afirmar o outro que o oprime.

Diariamente as instituições modelam o comportamento das massas, diariamente personalidades são mortas em função de uma coesão que só beneficia pessoas que estão por fora das instituições as manipulando em seu favor, uma pequena e miséria elite, que submete o povo ao seu projeto de sociedade, aqueles que não concordam são tidos como perigosos e levados ao “manicômio”, os perigosos são na verdade aqueles, onde o processo de desumanização, a lobotomia de personalidade através das rígidas regras institucionais não deu certo, McMurphy(Jack Nicholson) é uma dessas pessoas onde este processo e por conta disso bate de frente com os interesses das instituições.

O louco nada mais é que aquele capaz de afrontar a ordem institucional, pois qualquer pessoa racional vai se reprimir o suficiente para não ser excluído de uma sociedade que o tempo todo o submete a opressão das instituições e por outro lado lhe dá sentimento de pertencimento a algo maior e mais forte, a loucura parte do ponto de vista da ordem, tudo que foge a norma é loucura, caos e desordem, assim o que é considerado loucura é completamente contingente, e isso fica evidente na cena onde McMurphy contesta todo aparato institucional que desumaniza e transforma pessoas que não se encaixam na norma em loucas, dizendo a eles: "Vocês são completamente normais", essa cena evidencia o ponto de vista do filme e o fato de McMurphy apesar de não ser patologicamente louco ir para um manicômio, nos ajuda a entender que a loucura pode ser um título dado a qualquer um sob determinados interesses, não se trata de descobrir uma "patologia" para curar o indivíduo para seu próprio bem e sim para o próprio bem da ordem e manutenção de um sistema limitador das experiências de vida, constantemente dizemos não, constantemente nos disfarçamos, mas lá no fundo da matéria escura de nossa mente, estamos completamente surtados, o que nós no fundo somos nunca nos abandona, ao invés de nos reprimir deveríamos trabalhar esse lado caótico, e para isso o homem cria a arte, pois no palco ele tem o poder de fazer tudo aquilo que a ele não é permitido fazer no dia-a-dia, a arte é libertadora, ainda mais o RISO é libertador! McMurphy não seria outra coisa senão um Clown(palhaço), constantemente através do seu humor debochado e ácido contesta a ordem, rir nada mais é que rir do Rei e da Rainha, e por isso a verdadeira e incompreendida arte é tida como algo de vagabundo e é desvalorizada, pois tudo que a nossa ordem menos quer é a libertação humana da servidão, seja teológica, seja da tirania de estados. O louco e o palhaço são figuras análogas e emergentes numa sociedade que desaprendeu a rir.

Ou você segue as regras escondendo sua personalidade feito o Chefe para não sofrer retaliação ou você as quebra até sofrer tanta represália que é completamente destruído, como o McMurphy. O Chefe apesar de manter uma postura defensiva, se escondendo e fazendo todos pensarem que é só mais um louco, no fim toma uma postura agressiva e quebra as muralhas institucionais, mas ele não conseguiria isso sozinho, sem a ajuda do McMurphy, que representa os sentimentos de revolta total contida nos loucos, logo, para se libertar do jugo das instituições, é preciso a unificação das vontades(representadas no McMurphy) com a força(representada no Chefe), isso fica claro no momento em que o chefe “mata” McMurphy, pois, no pensamento indígena existem espíritos, no momento em que ele o assassina, ele liberta o “espírito” de McMurphy para o acompanhar na luta pela libertação o inspirando com sua vontade e arranca o bebedouro, que antes McMurphy foi incapaz de arrancar do chão, pois junto a ele não tinha a força, da mesma forma que nesta mesma cena o Chefe não o ajuda, pois não tinha espírito de vontade.

Outra interpretação para o final é o mito da caverna de Platão, o manicômio é a caverna, a sociedade a realidade, os loucos são os alienados, McMurphy o que tenta levá-los ao mundo das ideias(a verdade, a sociedade), porém fracassa, sendo vítima de uma lobotomia, quando sofre a lobotomia, o Chefe o mata, quando o Chefe o mata, liberta sua Alma do corpo, fonte dos sentidos, que são por sua vez fonte das ilusões, possibilitando que sua Alma vá ao mundo das ideias e tenha acesso a verdade, assim McMurphy pode ser livre, ou seja para se livrar de um sistema totalitário ou você morre ou quebra os muros institucionais.

Uma visão mais simples do final pode ser apenas, a amizade salva e liberta o ser de um estado deplorável é isso que o chefe faz abraçando e depois matando Mc.

Um Estranho no Ninho reflete também a educação, todos os elementos que caracterizam uma escola estão lá, uniformes, autoridade professoral e inferioridade do alunado, rotina incompatível com as aptidões dos alunos, interesses pessoais negados por uma grade de horário rígida e autoritária. “Você quer pintar? Sinto lhe informar, você vai aprender química, pintar não é importante para você”. Nossa escola é um processo de lobotomia e assassinato pessoal, quantos artistas e grandes pensadores morrem diariamente nestes recintos que se dizem pedagógicos e quantos vão continuar morrendo? Eu me considero um sobrevivente, mas tenho consciência de que uma parte de mim morreu lá e jamais irá voltar.

Um Estranho no Ninho é um filme Tcheco, isto é inegável, considerando o fato do diretor Milos Forman ser Tcheco e através desse filme retrata o sentimento de aprisionamento do povo Tcheco durante sua história, tendo seus interesses negados por diversos sistemas políticos, como na ocupação russa, guerras de países vizinhos onde a Tchecoslováquia não tinha absolutamente nada a ver com o conflito em seu território e o frio congelante que penetra o coração de seus habitantes.

PS 1.: O filme consegue ser extremamente belo, sem precisar apelar para o lúdico, finca os pés no chão e nos mostra a beleza humana, sim humana, pois nós somos imperfeitos e cheios de vícios, porém também possuímos virtudes, e é isso que o filme nos entrega, pessoas, humanos, o McMurphy é um exemplo disso, cheio de vícios, é agressivo, irônico, debochado, inconsequente e irresponsável, porém é o único capaz de enxergar naquela instituição os loucos não como doentes mentais e sim como seres humanos.

PS 2.: São tantos talentos anônimos na época em que esta película foi gravada presentes nesse filme, tão talentosos que posteriormente muitos deles conseguiram consolidar uma carreira em Hollywood. Sem esse elenco, o filme perderia metade de sua catarse, em momento algum da pra se dar conta que são atores em cena, pois o que eles mostram não é uma mera interpretação e sim uma verdade, um trabalho de entrega real ao papel, talvez porque de doido todo mundo tem um pouco!
←  Anterior Página inicial

0 comentários:

Postar um comentário